PELAS TRILHAS
DO TEMPO: SEPETIBA HOJE E SEMPRE
Jorge Luiz Alves
Muitas
luas passaram pelos céus tamoios, datas religiosas em calendários caucasianos
atravessaram os séculos, as agendas governamentais inseriram urgências
supérfluas e eleitoreiras a cada quadriênio. Lideranças locais, nobres de
além-mar, coronéis e terratenentes, soberbas presenças em casarios e
latifúndios, cada qual com seus títulos e privilégios, subiram palanques e
beijaram crianças no afã de vãs promessas.
Mas a
terra do farto sapê continua a sua insistente presença.
Sob os
pés de milhares de construtores, moradores, dinastias patrícias e plebéias, além
da escravaria e tribos indígenas, Sepetiba prosperou e decaiu, conheceu a
pujança e urbanidade, mas transitou pelo esquecimento dos governantes e das
elites que, pelo governo, fazem seus trampolins. O bairro que sobrevivera ao
biorritmo histórico – altos e baixos dignos de um país bipolar como o Brasil –
representa um impressionante achado em nostálgico e esperançoso acervo
urbanístico. E sem precisar de balaústres imperiais ou alpendres para significa-lo.
As
pedras do cais que, feridas pelas botas dos alabardeiros ou lambidas pelas
ondas, contam momentos de intensa movimentação na baía hoje castigada pelos
detritos de criminosos produtores de lucro à toda vaga.
Um
calmo passeio pela extensão da Rua da Floresta, cortamos para a Piaí e o
sossegado zum-zum dos moradores revelam a colméia produtiva dum comércio que se
amalgama no favo dos moradores e transeuntes, doce interação de comunitárias
abelhas cidadãs, sabedoras do mel cidadão que produzem, nas atividades que
buscam manter o sabor de um viveiro histórico mais protegido dos descasos
público-predadores.
Não tão
simétricas, mas irmãs do mesmo mar: a sé de Pedro, que tanto protegera e
abençoara o povo caiçara na busca pelo maná dos oceanos, conjuga o belo verbo
das marés com sua conterrânea divina; Iemanjá guarda a coragem dos pescadores
no início do Recôncavo, estende-se em pérolas protetoras pelo Cardo e, até a
curva do manguezal da Brisa, vai tomando conta das traineiras que desafiam as
incertezas abissais e as certezas poluidoras. Redes que arrastam peixes e
impurezas. Almas valentes, que aguardam um Messias a caminhar por suas águas e
lodaçais, antes terapêuticos, agora arriscados para a saúde...
A
pracinha e o coreto que assistira aos discursos de Odorico Paraguaçú na
simbiose entre o coronelismo novelesco dum Bem Amado e o ponto de encontro da
comunidade e suas iniciativas construtivas: ficção e realidade, o povo será
sempre o mesmo espectador dos dramas da urbe, mas protagonizará os destinos do bairro,
destinado a não mais servir de cemitério da esperança cidadã: a fanfarra
eleitoreira abre espaço para a voz do povo e a agenda cultural do distrito.
Desde o
Castelinho da Cigana, passando pelos anos do Telhado Azul, muitas
“segundas-sem-lei” animaram o balneário e inspiraram diversas histórias
pessoais com finais, ora felizes ora infelizes; assim foi, é e sempre será o
ritmo das noites sepetibanas, que oferecem, ao marear dos deleites, a sizígia
repleta de águas vivas, também ora belas em suas transparentes alegrias, ora
perigosas, no queimar a pele com excessos noturnos.
Sepetiba
persiste. Insiste. Vence os séculos e as marés. Poluidoras fainas humanas e
predadoras realidades sociais. Mas o “lugar do farto sapê” não fica indiferente
no mapa carioca das inclusões e inconstâncias; pelo contrário: mais um ano de
vida se passa, e atravessa a linha do tempo com a mesma coragem que os
primeiros tamoios, acossados e perseguidos pelos europeus, instalaram em terras
de rubro madeirame. Nenhum de nós pode notar, à primeira vista; mas a proteção
que envolve o bairro mais afastado da cidade aproxima-nos da certeza de
eternizar os esforços aqui feitos calafetando com cidadania, cultural, coragem
e respeito essa comunidade de gente operosa e capacitada.
Jorge Luiz da Silva Alves
Licenciado
em História pela Universidade Candido
Mendes
Pesquisador
Histórico: artigos na revista eletrônica de História Gnarus
Obras
publicadas pela Litteris Editora:
Sagitário
(2011)
O Percurso da Paixão
(2013)
E,
em setembro deste ano, A PALAVRA E A
HISTÓRIA, 2019.
Publicado
pela Editora Muiraquitã:
Viagens e Delírios
(2008)
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